20.10.12

Emergência Guerriada


Não tenho certeza como é, mas aquilo só pode ser cenário de guerra. Um ambiente hostil para a sobrevivência de qualquer ser, principalmente para humanos que já estão baleados da constante batalha: a vida. Partindo da ida sofremos ao subir um morro quase em 90º, a recompensa nessa escalada é a visão privilegiada do mar, logo ali no horizonte, dançando em traços azuis e verdes. Nossa visão consegue delimitar, como que feito em traço de lápis a separação entre os tons de belezura.
Parados na guarita já entristecemos pelas condições exteriores de sua aparência física. O acolhimento que deveria fazer jus ao seu nome é retalhado entre falta de cadeiras, lotação constante, gritos e choros, ineficiência de atendimento – talvez não por má educação do profissional, mas pela falta dos mesmos, ou (ainda imagino outras causas) falta de espaço, preparação, condições! As paredes turvas-azuis (tom exclusivo de sua existência) seguram os ombros cansados e machucados que buscam auxílios variados, auxílios que poderiam mesmo serem dados ao lado das suas casas, nas unidades primárias. Quando você penetra o portal da miséria encontra mais fila, te fazendo imaginar que só pode ser divertimento público sua criação, mas não.
Ali em poucos metros quadrados de um corredor você consegue soltar a fala rotineira: - Que cenário de guerra! Todos falam, você irá falar se visitar. Logo após esse momento verbalizado lhe alcança uma barrufada de odor. Não é o odor que está acostumado nos hospitais da vida, não é éter. É cheiro de doença, de ferida, de aconchego com a morte (se assim posso me ousar). A população doente espalhado por aquele espaço, encostados nas paredes sobre as macas enferrujadas, recebendo soros em suporte também enferrujados. Ao andar do começo ao fim – talvez entre 15 e 20 metros – você escuta uma sinfonia entristecida e também, por que não, enfurecida pelas condições (tosses, espirros, gritos, resmungos, cochichos, gemidos e uma gama de onomatopeias).
Resumindo minha estadia de oito dias vos conto o que vi e vivi nessa pseudocabana de guerra construída no morro do Alto da Conquista (propício: é o sentimento que se tem ao chegar ao topo e ao conseguir sobreviver desse atendimento).
Vi senhores chegando ensanguentados e esperando por atendentes médicos pedindo para esperar, ou melhor, enfermeiros pedindo para esperarem pelo atendimento. Como se ouvisse em resposta: - Ah! Ok! Não estou com pressa. Posso curtir um pouco mais a dor e perder um pouco mais de fluidos corporais. Vi senhoras e senhoritas se espremerem em filas para medicações e curativos, deixando transparecer na face alegria de estar esperando enquanto não recebem a “cura imediata” para o problema. Crianças de colo, de pé e de cama, por que não, emudecendo-se e chorando por estar ali, assustado naquele ambiente, respirando aquele fino ar. Vivi a grosseria de atendentes, os bons dias não respondidos, os procedimentos acelerados, o nervosismo generalizado, a reclamação contagiante, a tristeza de se estar ali na função de doente ou de cuidador.
Termino triste, não pela experiência de praticar um componente curricular, de realizar procedimentos, porque mesmo depois desse desgrenhado relato, aprendi. Todavia fico triste por saber que não vai sair dessa lama, por estar cada vez mais afundado. Por ter como novo governante – extraído de relatos de moradores antigos – o deus da roubalheira.
Sem delongas, recomendo dois pontos: escolham outro, vá realmente se necessário a esse hospital (como se o tipo de lugar fosse turístico) e se forem, tomem um café da barraquinha logo ao lado pra lhe dar uma revigorada, talvez.